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Padre João Quaini (1930-2017)

Estava habituado a servir-me deste pensamento e gostava de referi-lo a outros, mas jamais esperava que chegasse o dia em que, com lágrimas nos olhos, devesse aplicá-lo a mim mesmo e aos membros de minha família: “Senhor da História e dono do ontem e do amanhã. Em tuas mãos estão as chaves da vida e da morte. Sem perguntar-nos, levaste nosso irmão Pe. João Baptista para a Morada Santa. Nós aqui fechamos os olhos, baixamos a cabeça e simplesmente dizemos: Assim seja!”
Para surpresa minha, no domingo de Páscoa, dia 16 de abril, facilmente consegui falar com ele pelo telefone. Durante a conversa amigável ele me comunicou serenamente que, no dia seguinte, após a missa, seria levado para o hospital para uma pequena cirurgia. Falou-me ele que há dias estava sentindo um estranho ruído acima do ouvido. Senti-o muito confiante, pois me disse que os exames cardiológicos lhe davam condições para enfrentar esta cirurgia.
No dia 18, pela manhã, foi feita a cirurgia que surpreendentemente se revelou mais complexa. E aconteceu uma hemorragia! Foi levado imediatamente para a UTI, foi sedado e assim permaneceu até às 14h do dia 16 de maio, quando faleceu.
1. Pe. João Baptista nasceu no dia 10 de julho de 1930, em Pejuçara, naquela época pertencente ao município de Cruz Alta. Seus pais Libero Quaini e Judith Lorenzoni formaram uma família de 11 filhos, dos quais o João foi o primeiro. Ele foi sempre grato para com seus pais, a quem considerava seus primeiros catequistas. Ele confessa que, a partir de seus pais, começou a conhecer e a amar a Deus, a rezar, a ouvir os ensinamentos de Cristo, a valorizar a santa missa e o terço, a fazer bem as coisas, a não desperdiçar nada e a agradecer todo benefício.
E isto é tão verdadeiro que ele chega a afirmar que seus estudos em Universidades europeias (Itália e Suíça), enriqueceram e aprofundaram o que seus pais semearam na família com suas palavras e com seu exemplo! E também sua vocação sacerdotal germinou e cresceu num ambiente familiar, graças sobretudo ao apoio e ao exemplo de seus pais.
Após os estudos primários, em Pejuçara, em 1946 ingressou no seminário “Rainha dos Apóstolos”, em Vale Vêneto. Com facilidade para aprender, mas sobretudo com estudo e aproveitamento do tempo, em cinco anos ele fez todos os estudos ginasiais que naquela época eram de seis. Após um ano de noviciado (1951), em agosto de 1952, com apenas
22 anos de idade foi escolhido para continuar seus estudos na Europa. Viajou na
companhia dos PP. Achylle A. Rubin e Otávio Bortoluzzi. Frequentou a Universidade Gregoriana, em Roma, durante dois anos, e em setembro de 1954 transferiu-se para Friburgo, na Suíça, a convite do Pe. Achylle, que já se encontrava lá. Gostou do ambiente universitário e da qualidade dos estudos. Pe. João Baptista teve aqui uma bonita experiência de comunidade internacional e encontrou bons orientadores espirituais. Na Universidade de Friburgo estudou Teologia e foi ordenado sacerdote no dia 14 de julho de 1957. Numa época em que as viagens eram longas e custosas, as comunicações telefônicas precárias e não existia a internet, não pôde contar com a presença de nenhum familiar. Ordenou-se sacerdote em 1957, mas somente em junho de 1958 terminou o curso de Teologia, com a licenciatura. E logo iniciou os estudos para o doutorado em Filosofia, uma caminhada longa e difícil, desde a escolha do tema. Optou por expor o que o filósofo alemão Max Scheler escreveu sobre o espírito humano, um estudo nada fácil, pois todos os seus escritos eram em alemão. Concluiu seus estudos para o doutorado em Filosofia em 1963.
2. Em fevereiro de 1964 Pe. João Baptista voltou para o Brasil, após onze anos e meio vividos na Europa. E neste mesmo ano começou a ensinar disciplinas de Filosofia e de Teologia no Colégio Máximo Palotino em Santa Mari. No ano seguinte começou também a dar aulas de Filosofia na Universidade Federal de Santa Maria. Por ter sido eleito Vice- Geral da Sociedade, na XV Assembleia Geral realizada em outubro de 1983, no ano seguinte teve de deixar a universidade, quando lhe faltavam poucos anos para aposentar- se. Ele foi o único, por ora, dentre os palatinos da América do Sul, a ser escolhido para tal cargo!
De 1967 até 1984, Pe. João Baptista trabalhou também no Instituto Diocesano de Pastoral e Catequese (IDPC), fundado pelo Pe. José Pillon, em 1966. Naquela época durava de março a dezembro e ele procurou passar aos alunos uma breve imagem do ser humano.
3. Na Casa Geral, em Roma, de 1983 a 1989, como reitor da casa, Deus se serviu dele para promover benéficas inovações que perduram até hoje: formação de uma única comunidade composta de Irmãos, Padres estudantes e membros do Conselho Geral; uma única sala de leitura, com água quente para um chá ou cafezinho; transformação do refeitório em local de refeições, mas também de encontro de raças e de cores; criação de clima de fraternidade entre os padres e os funcionários(as) da casa e, finalmente, possibilidade de leigos, inclusive mulheres, serem acolhidos para refeições na Casa Geral. Foram atos vistos pelos moradores antigos da casa como revolucionários e contrários à tradição…
A serviço da Direção Geral conheceu as comunidades palotinas da Itália, da África do Sul, dos Estados Unidos, da Polônia, da Inglaterra e da Irlanda, da Índia, da Espanha e das Ilhas Canárias, da Alemanha, da Áustria, da França e da Croácia. Em 1993, no mês de agosto, esteve durante um mês na Ruanda e na República de Camarões, na África, onde orientou cinco retiros, em francês, para padres, irmãs, leigos e seminaristas palotinos.
4. Pe. João Baptista foi eleito Reitor Provincial da Província de Santa Maria em duas oportunidades: de 1974 a 1976 e de 1993 a 1995. Durante o primeiro período a Província tinha campos de trabalho somente no Rio Grande do Sul, no Paraná e no Mato Grosso. Para ele, naquela época, era uma aventura viajar de Volkswagen de Santa Maria até o Mato Grosso, com estradas ainda sem asfalto: intransitáveis, quando chovia; com o tempo seco o carro desaparecia na poeira!
De 1993 a 1996 foi Reitor Provincial pela segunda vez. Nesta época os palotinos já haviam assumido trabalhos pastorais em Manaus e na Rondônia. Acompanhando o Reitor Geral, na visita oficial entusiasmou-o a conhecer esta região de ônibus. E de fato viajaram de ônibus de Ariquemes (RO) até Campo Grande (MS)! Foi uma experiência dura para este jovem sacerdote irlandês com 48 anos de idade, tanto que, na segunda visita ao Brasil, reduziu ao máximo as viagens de ônibus e dividiu o trabalho com outro Conselheiro!
5. Vendo a necessidade do Conselho Provincial encontrar alguém para assumir a paróquia de Vale Vêneto, nasceu na mente do Pe. João Baptista a vontade de oferecer-se para trabalhar naquela comunidade. Na metade do ano de 1997 o Pe. João Baptista deixou a Casa de Retiros e se transferiu para o seminário de Vale Vêneto. Assumiu a paróquia, sem deixar as aulas em Santa Maria. Celebrava a Eucaristia todas as manhãs no Colégio das Irmãs e, à noite, celebrava em casa de doentes ou de idosos, restando o trabalho mais exigente para os fins de semana.
6. No início de 1999 o Conselho Geral constituiu uma Comissão Histórica, formada por sete membros de diversos países, para escrever a história da fundação de Vicente Pallotti. Ao Pe. João Baptista coube a tarefa de escrever a história dos Palotinos na América Latina. Esta missão o obrigou a viajar muitas vezes para Roma, para a Alemanha e para a Índia a fim de participar das reuniões desta Comissão. Finalmente, em 2016 foi publicada a obra “Storia della Società dell’Apostolato Cattolico”, com 406 páginas, de que no próximo mês de julho deverá ser publicada a tradução portuguesa. Igualmente, em 2016, o Pe. João Baptista publicou o livro “Origem Histórica da Província Nossa Senhora Conquistadora” – Primeira Parte – (1886-1954), com 388 páginas. E está sendo revisado um segundo volume, com o título “A Província Nossa Senhora Conquistadora de 1919 a 1929”, que deverá vir à luz nos próximos meses. E o que nos reserva o computador do Pe. João Baptista, quando for aberto? E sobretudo fica a importante pergunta: quem continuará sua obra histórica?
7. Pe. João era profundo estudioso de São Vicente Pallotti. São incalculáveis os escritos sobre o Fundador publicados nas Informações Palotinas, assim como traduções. Mas o
Pe. João procurou sobretudo imitar São Vicente Pallotti, que desejava que a vida de Cristo fosse a sua própria vida. Pallotti também escreveu e disse aos seus filhos que eram chamados a imitar Jesus Cristo, o Apóstolo do eterno Pai. Ouase me arrisco a fazer este paralelo que, assim como Jesus Cristo fez de sua vida uma doação e um serviço pela salvação s santificação de todos os homens, da mesma forma o Pe. João Baptista não trabalhou para si, mas para os outros. Foi sempre fiel e dedicado sacerdote como amigo simples, conselheiro, confessor e conferencista…
Se foi um bom professor e homem de pesquisa, foi também grande testemunha de Cristo. Foi homem de oração e de adoração eucarística. Foi também grande filho e devoto da Rainha dos Apóstolos e também da Mãe e Rainha Três Vezes Admirável de Schönstatt. Pe. João soube unir e ao mesmo tempo valorizar o Cenáculo e o Santuário da Mãe Três Vezes Admirável.
8. Pe. João Baptista mais vezes falava que, no dia de sua ordenação sacerdotal teria pedido a Deus que o sacerdócio fosse sempre novidade para ele. E de fato o foi, através do trabalho e também de graves doenças. Aos 45 anos de idade foi atingido por um AVC de que se recuperou muito bem. E alguns anos mais tarde, em 2003, foi submetido a uma delicada cirurgia no cérebro para extrair um tumor. Fez-se uma cirurgia com urgência e os médicos temiam que acontecessem duas consequências: não resistir à cirurgia ou não poder voltar a falar. Restabelecido deste tremendo susto, ainda no hospital foi surpreendido por dupla trombose e por uma embolia pulmonar. Mais umas três semanas de hospital e, depois, no Patronato, recebeu cuidados especiais durante os dois primeiros meses de 2004. Mais uma vez se recuperou e, sem dúvida, de forma milagrosa.
9. No ano de 1999, Pe. João Baptista deixou a paróquia de Vale Vêneto e voltou para Santa Maria. Durante quatro anos (1999-2003), a pedido de dom Ivo Lorscheiter, bispo de Santa Maria, lhe foi confiada a orientação espiritual dos seminaristas das três dioceses que estudam nas Faculdades Palotinas (FAPAS) (Santa Maria, Cachoeira do Sul e Uruguaiana). Ele foi capelão das Irmãs de Maria e diariamente celebrava a Eucaristia, às 7h, na Capela Tabor. Celebrava a Eucaristia também no Santuário em encontros do Movimento de Schönstatt ou para grupos de peregrinos vindos também de outros países. Era muito querido pela Família de Schönstatt, em especial pelos peregrinos do Santuário, a quem servia de confessor. Todas as manhãs, antes de presidir a celebração eucarística, o Pe. João Baptista passava brevemente pelo Santuário e em torno das 14h diariamente era possível encontrá-lo no Santuário, rezando a Liturgia das Horas, o terço ou em adoração silenciosa.
Gozando de excelente saúde e demonstrando incomum disposição para o trabalho intelectual e também pastoral, apesar de seus 86 anos de idade, teve uma outra surpresa, fatal desta vez. Numa cirurgia, considerada simples, para a retirada de um crescimento externo ao cérebro, houve a surpresa de uma hemorragia. Esteve sedado na UTI e, por fim, faleceu. Era o dia 16 de maio de 2017, às 14h.
Esteve exposto à visitação a partir das 18h, na capela da Casa de Retiros e nesta noite foi celebrada uma Eucaristia, presidida pelo Pe. Luiz Quaini, seu irmão. No final desta oração, o Pe. Francisco Bianchin fez uma outra comovente prece, em forma de salmo. No dia seguinte, às 9h, nova celebração eucarística presidida pelo reitor do Colégio Máximo, Pe. Salvador Leandro Barbosa, com a animação dos seminaristas.
E nas primeiras horas da tarde do dia 17, Pe. João Baptista foi conduzido pelo mesmo caminho que ele fazia todos os dias da Casa de Retiros, onde residia, à Capela Tabor. Ele merecia, porém, passar pelo Santuário da Mãe e Rainha. E as Irmãs de Maria, com muito amor e gratidão, planejaram esta última visita. Diante da imagem da Mãe Três Vezes Admirável, a Irmã M. Denise Mendes Ternes rezou a comovente “Oração de Despedida do Padre João Baptista Quaini”. Nesta prece ela recordava que o Pe. João convidava todos os dias a renovar a consagração à Mãe e Rainha e concluiu assim: “Hoje somos nós que o convidamos a, no céu, rezar conosco: O minha Senhora…
10. Quando celebrou 50 anos de sacerdócio, o Pe. João Baptista escreveu o seguinte:
“Minha vocação sacerdotal palotina nasceu, cresceu e amadureceu no colo maternal de Maria. Procuro levar a sério o pedido supremo de Jesus na Cruz: João Baptista, quero que minha mãe seja também a tua mãe! Tentei levá-la para minha casa, para que ela seja minha mãe em todos os momentos e situações de minha vida. Em minha oração mariana peço, sempre mais, que ela como boa mãe me revista de Cristo e me encha do Espirito Santo, como fez com os discípulos de Cristo e com São Vicente Pallotti”.
11. Carregado por familiares e amigos, chegou às 14h30min na Capela Tabor, gentilmente cedida e preparada pelas Irmãs de Maria. Ali foi celebrada a Missa de Despedida, presidida pelo Pe. Clesio Facco, Reitor Provincial, e concelebrada por uma quinzena de sacerdotes. Na homilia foi lido um texto, escrito pelo próprio Pe. João Baptista, ainda no final do ano passado, em que ele respondia a um pesquisador da Universidade que lhe fez a seguinte pergunta: “Qual a sua atitude frente à velhice? Este importante texto com muita propriedade pode ser definido como um testemunho do Pe. João Baptista.
No final, o presidente da celebração facultou algumas manifestações. Destaco somente duas homenagens. Primeiramente a de um sobrinho do Pe. João. Conforme escreveu o jornalista Luiz A. Coccari, “o primeiro a falar foi o sobrinho Paulo Quaini, que fez uma alocução espontânea admirável, como se ele próprio fosse portador da sabedoria que víamos no Pe. João”. E a segunda mensagem, lida pelo Pe. Clesio, veio do Reitor Provincial da Província “Mãe do Divino Amor”, da Ir-landa, Pe. Jeremiah Murphy (Derry): “Ofereço os pêsames de toda a Província pela morte do muito querido e estimado
João Quaini. Foi um homem único! Sua grande capacidade intelectual, seu calor pessoal, seu espírito de serviço e seu amor pela Sociedade e por todo o Palotino foram as características que o tornaram único”.
Encerrada a celebração, muitos dos presentes continuaram sua peregrinação até o cemitério de Vale Vêneto. Lá estava Dom Hélio A. Rubert, bispo de diocese de Santa Maria, com o público local em oração. Foi ele quem rezou as orações de encomendação. Quando o corpo desceu à sepultura, estávamos todos envolvidos na emoção do distanciamento físico definitivo do amado irmão Pe. João, emoção que se visualizava intensamente no rosto dos familiares e de todos os presentes.
Apesar da dor e de nossas lagrimas, queremos agradecer a Deus pelo dom que Ele nos deu através da vida, do trabalho e do apostolado deste nosso querido irmão. Vejo que ele nos deixa fisicamente, mas nunca nos deixará espiritualmente. Por outro lado, creio também que quem chegou bem ao fim não esquecerá a nenhum de nós, caminhantes. E pedimos que as aspirações e os trabalhos intelectuais e apostólicos do Pe. João Baptista não se apaguem em nós, mas que vivam, cresçam e Frutifiquem! Que nosso querido irmão Pe. João Baptista nos ajude com sua oração junto a Deus, junto à Maria e a todos os irmãos e irmãs do céu!
Por Pe. Luiz Quaini, SAC